Adail Pinheiro, ex-prefeito de
Coari, condenado por explorar menores sexualmente age para mudar depoimento de
mulheres abusadas
Em janeiro do ano passado, o
Fantástico mostrou um caso estarrecedor. Meninas de nove a quinze anos vítimas
de um grupo de pedófilos chefiado pelo então prefeito da cidade de Coari, no
Amazonas. Ele foi condenado pelo crime e está preso. Nesta semana, o Ministério
Público apresentou nova denúncia contra o agora ex-prefeito da cidade. Desta
vez, ele é acusado de oferecer suborno e ameaçar de morte as testemunhas, de
dentro da cadeia.
“Seria um valor de R$ 100 mil para
cada. Ou a gente aceitava o dinheiro ou ia começar a morrer alguém da nossa
família’, conta uma das vítimas.
Quem está falando é uma jovem de
Coari, cidade a nove horas de barco de Manaus, no interior do Amazonas. Não é a
primeira vez que ela fala ao Fantástico. Em janeiro de 2014, ela deu esse
depoimento à repórter Giuliana Girardi.
“Ele me levou para o quarto e me
estuprou. Eu tinha dez anos. Ele é um monstro”, disse a jovem na época.
O homem de quem a jovem fala é o
ex-prefeito de Coari: Adail Pinheiro. Adail foi preso em fevereiro do ano
passado, depois que o Fantástico denunciou a rede de exploração sexual de
menores chefiada por ele. E terminou condenado a 11 anos e dez meses de prisão,
em novembro.
O ex-prefeito Adail Pinheiro
cumpre pena em Manaus, em um batalhão da Polícia Militar. Segundo o Ministério
Público, foi do local que o ex-prefeito mandou ameaçar e oferecer dinheiro para
que as testemunhas mudassem a versão do crime. Pelo menos duas mulheres da
mesma família, estupradas por Adail na infância, foram convencidas a mudar seus
relatos.
“A gente receberia 100 mil para
retirar a acusação do Adail ou então iria começar a morrer gente", conta
uma das vítimas.
"O dinheiro só seria passado
no dia do julgamento. Eu estava ameaçada, restringida de pedir ajuda até para
minha família", conta outra vítima.
"Não queria ver um banho de
sangue. Deixaram nas nossas mãos. Ou vocês aceitam o dinheiro que eles estão oferecendo
ou vai morrer pessoas. E se eu pudesse fazer alguma coisa para não morrer
pessoas, eu faria. Eu não tinha escolha”, conta a vítima.
A outra mulher também falou ao
Fantástico no ano passado. O depoimento é assustador.
“Eu ficava brincando no barco
enquanto minha mãe estava trabalhando. Ele me estuprou dentro do barco mesmo. E
hoje em dia ele quer a minha filha”, contou a vítima na época.
Fantástico: Qual a idade dela?
Vítima: Onze anos.
De acordo com as investigações, o
plano do ex-prefeito Adail Pinheiro e do filho dele era esconder as testemunhas
da família, dos amigos, da imprensa e do Ministério Público. Para isso,
alugaram dois apartamentos em Manaus. Os dois imóveis ficam no mesmo prédio, em
um bairro nobre. Pequenos, mas confortáveis, com vista para a Arena da
Amazônia. O aluguel e todas as despesas eram pagas pela quadrilha comandada por
Adail Pinheiro, segundo o Ministério Público.
Delegado: Quem deu esse dinheiro
para você?
Vítima: Foi Adailzinho, junto com
o Fabrício.
Adailzinho é o filho do
ex-prefeito. Fabrício é o advogado dele, Fabrício de Melo.
Fantástico: Qual o papel do filho
do Adail?
Fábio Monteiro, procurador-geral
de Justiça/AM: Como o Adail se encontrava preso, o filho do Adail ele entrou no
trabalho de articulação. A estratégia inicial era mudar o depoimento na própria
ação penal.
Ou seja, procurar a Justiça
diretamente. O desembargador responsável pelo caso, no entanto, não aceitou que
os depoimentos fossem alterados. Com isso, o grupo mudou de estratégia. Uma
advogada que segundo o Ministério Público seria ligada a Adail, Elizabeth
Cavalieri, levou as duas vítimas para um cartório. O objetivo era deixar
registrado que elas teriam mentido sobre a acusação de estupro.
Delegado: Quem foi que orientou
vocês a falarem isso?
Vítima: Foi a Doutora Elizabeth.
Mas só que a gente não falou nada, ela estava com um rascunho e ela mesma
ditou.
Delegado: Depois vocês só
assinavam?
Vítima: Sim.
Uma das vítimas gravou escondido a
advogada ditando a declaração no cartório. De acordo com o Ministério Público,
essa é a voz de Elizabeth Cavalieri: “A declarante desejou expor que a denúncia
inicial não foi verdadeira”, diz a gravação.
Delegado: Você confirma todos os
depoimentos prestados anteriormente?
Vítima: Da minha boca nunca saiu
que isso era mentira e sim da boca da própria advogada. Eu estava sendo coagida
naquele momento. Não tive outra opção, não.
O esquema de suborno e ameaças foi
revelado ao Ministério Público por um parente das vítimas. Foi ele quem
convenceu as duas a contarem a verdade à Justiça. Essa mesma testemunha disse
que o ex-prefeito de Coari chegou a fazer várias reuniões no gabinete do
comandante do Batalhão da PM.
Fantástico: Coronel, o ex-prefeito
de Coari tem algum benefício, algum privilégio dentro do batalhão?
“A partir de janeiro de 2015, o
novo comando da corporação, quando assumiu essa gestão, tem a afirmar que então
não há nenhum privilégio ao ex-prefeito Adail Pinheiro. Nós não temos como
afirmar o que aconteceu no passado, teremos que investigar, teremos que
apurar”, diz o tenente coronel Willer dos Santos Abdala, diretor de comunicação
da PM/AM.
“Nós estamos pedindo a
transferência do prefeito para o sistema prisional organizado pela Secretaria
de Justiça”, destaca o procurador-geral.
O Ministério Público denunciou, na
última quinta-feira (26), o ex-prefeito Adail Pinheiro, seu filho Adailzinho e
os dois advogados, Fabrício de Melo e Elizabeth Cavalieri por falsidade
ideológica, uso de documento falso, corrupção ativa de testemunha e formação de
quadrilha. Fabrício falou por telefone.
“É uma armação de cunho político.
O prefeito está em uma cela, essa cela passa por revista quase que todo dia ou
dia sim, dia não. Então essa história de que de dentro do presídio ele comande
alguma coisa é invencionice”, diz Fabrício de Melo, parente advogado de Adail
Pinheiro.
Fantástico: De acordo com a
denúncia, o senhor teria participado desse esquema.
Advogado: Eu não tomei
conhecimento dessa denúncia, isso para mim é uma novidade. Eu refuto
integralmente.
A advogada Elizabeth Cavalieri foi
procurada no endereço que consta na denúncia, mas não havia ninguém no local.
Ligamos no telefone dela. Procuramos o filho de Adail Pinheiro no endereço que
consta na denúncia.
“Não tem ninguém em casa hoje,
agora, no momento”, disse uma mulher.
Também tentamos por telefone.
Desde a saída de Adail Pinheiro, Coari já teve outros quatro prefeitos. As
denúncias de pedofilia e de corrupção causaram uma onda de protestos. Igson
Monteiro, que era vice-prefeito de Adail e assumiu a cidade após sua prisão,
teve a casa incendiada.
“A cidade está completamente sem
comando. A sensação de insegurança que ocorre dentro daquele município gera um
temor absurdo que tem reflexos sem sombra de dúvidas para a população”, destaca
o procurador-geral Fábio Monteiro.
“As pessoas culpam a mim, os meus
amigos que andavam comigo não andam mais, pelo fato da cidade estar no estado
que está, porque o Adail está preso. Lá não tem para quem pedir ajuda. Porque
ele manda, né? Ele manda”, disse a vítima.
Fonte: G1
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