‘Se achar que não contribuo mais,
sairei’, diz Cardozo
Pressionado pelo PT a controlar a
Polícia Federal, diante dos escândalos que atingem o partido e batem à porta do
Palácio do Planalto, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta
quinta-feira, 2, que não orienta as investigações nem para beneficiar aliados
ou punir adversários e admitiu a possibilidade de deixar o cargo.“Se eu achar
que não contribuo mais para o projeto e não sirvo mais à presidenta, sairei”,
disse Cardozo ao Estado.
Na semana passada, o ministro
chegou a ser convidado pela Executiva de seu partido para explicar o que os
petistas entendem como “vazamentos seletivos” da Operação Lava Jato. A
estratégia foi considerada “um tiro no pé” pelo Planalto e o PT recuou.
“Eu não tenho de prestar
informações só ao PT, mas a qualquer força política que desejar explicações em
relação aos meus atos”, reagiu Cardozo. Mas, mesmo diante de uma nota de apoio
à sua atuação, divulgada no fim da tarde por deputados federais do PT, o
ministro desconversou sobre seu futuro: “Não tem nem fico nem sai”. A seguir,
os principais trechos da entrevista.
Estado - O sr. já disse ao
Estado, mais de uma vez, que o cargo de ministro da Justiça tem prazo de
validade. Com tanta pressão, o sr.agora pensa mesmo em sair?
O Ministério da Justiça tem, sim,
prazo de validade. Tenho hoje uma situação até curiosa porque, no período
democrático, sou o ministro que ficou mais tempo no cargo. O que eu posso
afirmar é que, dentre os meus muitos defeitos, a lealdade é uma qualidade. Sou
leal à presidenta Dilma e ao projeto que ela representa. Enquanto eu servir a
esse projeto e ela achar que eu sirvo, ficarei. Se eu achar que não contribuo
mais para o projeto e não servir mais à presidenta, sairei. Mas continuarei
defendendo o projeto onde quer que esteja porque acredito na presidenta Dilma e
na sua honestidade.
Estado - A bancada do PT
na Câmara divulgou uma nota de apoio à sua atuação e a Executiva do partido
deve recuar na intenção de convidá-lo a esclarecer os chamados “vazamentos
seletivos” da Lava Jato. Com isso o sr. dirá fico?
Não existe nem fico nem saio. Como
ministro, eu não tenho de prestar informações só ao PT, mas a qualquer força
política que deseje explicações em relação aos meus atos. Sempre que for
convidado, irei com grande prazer.
Estado - O sr. se sente
traído por seus pares ou foi pressionado a intervir nas investigações?
De forma nenhuma. Eu represento um
projeto que ajudei a construir desde a origem do PT. Agora, é evidente que há
divergências. Eu mesmo pertenço a uma corrente (Mensagem ao Partido) que por
vezes expressa posições diferentes. É legítimo que pessoas me aplaudam ou
vaiem. Eu agi, ajo e agirei, enquanto aqui permanecer, de acordo com a
Constituição e com a minha consciência. Jamais um ministro da Justiça, num
Estado de Direito, deve orientar investigações, dizendo que os inimigos devem
ser atingidos e os amigos, poupados. Tenho minha consciência absolutamente
tranquila.
Estado - O ex-presidente
Lula é o próximo alvo da Lava Jato?
O presidente Lula é um líder
reconhecido no Brasil e no mundo. Eu não acredito que ele possa ter praticado
atos lesivos ao patrimônio ou atos ilícitos. Não vejo como ele possa ser alvo
de investigação.
Estado - Qual foi o
momento mais difícil que o sr. enfrentou até agora?
Depois da posse, em 2011, eu não
me lembro de momentos fáceis (risos).
Estado - A dieta Ravenna,
que o fez perder 22 quilos, deixou o sr. aflito?
A dieta me deixou mais feliz.
Agora, aos trancos e barrancos, tento fazer minha tese na Universidade de
Salamanca. O tema é muito interessante, diz respeito à crise da separação de
Poderes no século 21.
Estado - Os escândalos da
Operação Lava Jato atingiram até mesmo a visita da presidente aos Estados
Unidos. Como o governo pode sair das cordas e criar uma agenda positiva?
Em primeiro lugar, a visita da
presidenta aos Estados Unidos foi muito exitosa. Em segundo, não acho que o
governo esteja nas cordas. Passa, sim, por uma turbulência natural.
Estado - A presidente
disse não haver provas nas denúncias contra os ministros Aloizio Mercadante
(Casa Civil) e Edinho Silva (Comunicação Social) e afirmou que condenar assim é
“um tanto quanto Idade Média”. Isso não é desqualificar a Polícia Federal?
Não. O que ela fez foi um juízo de
apreciação sobre o papel de delações premiadas. É uma peça de investigação, não
é sentença condenatória. Um delator pode falar a verdade, mentir, dizer
meias-verdades.
Estado - O empreiteiro
Ricardo Pessoa, dono da UTC, está mentindo?
Não sabemos se há correspondência
entre o que a imprensa divulgou e o que foi dito na delação premiada. O que
posso afirmar em relação ao ministro Mercadante e ao ministro Edinho é que
tenho a mais absoluta convicção da lisura dos procedimentos deles. São pessoas
sérias, respeitáveis.
Estado - Todos dizem que
as doações recebidas foram legais e registradas tanto para a campanha da
presidente Dilma, como para a do ex-presidente Lula e para a do então senador
Mercadante ao governo de São Paulo. Mas e a origem do dinheiro? Como explicar a
propina na Petrobrás?
Pelo que me consta, o empreiteiro
deu contribuições não apenas a campanhas do PT. Deu também para outro candidato
a presidente da República, para governos estaduais...
Estado - O governo sempre
alega que as doações foram suprapartidárias. Uma coisa justifica a outra?Não.
O que eu digo é que tudo tem que ser investigado. Eventuais contribuições
vindas de recursos indevidos tem que ser apuradas. Em geral, os candidatos
recebem contribuições e não têm nem como atestar a origem do dinheiro. Agora,
considerando que essa empreiteira mantinha contratos com governos estaduais que
também tinham candidatos, por que dizer que as doações ilícitas são só em
alguns casos?
Estado - O sr. se
refere ao PSDB?
Estou falando de todas as
contribuições que passaram pela UTC. Eu não posso fazer investigações parciais.
E não falo isso para isentar ninguém. Se houver pessoas do meu partido que
tinham consciência da ilicitude de uma doação, deverão responder. A lei vale
para todos. Isonomia é pressuposto básico de investigação séria.
Estado - Depois de uma
manobra feita pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o governo foi novamente
derrotado e a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, em casos de
crimes hediondos e delitos graves, acabou aprovada. O que fazer?
Essa proposta é trágica e
desastrosa por todas as consequências que gera. É inconstitucional, porque fere
cláusula pétrea e contraria todos os estudos de especialistas que recomendam
que jovens nunca sejam tratados como adultos. Nos países em que isso acontece,
a violência é maior. Cabe ao governo abrir esse debate.
Estado - A sua corrente no PT
defende mudanças na política econômica, diz que a presidente não cumpriu
promessas de campanha e faz duras críticas ao ajuste fiscal. O sr. fica
confortável com isso?
Defendo vigorosamente o ajuste
fiscal. A equipe econômica está no rumo certo. Se tivesse participado da
reunião que definiu isso, seria voto vencido.
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